Povos indígenas e os brancos no Brasil

Palestra na Altes Pfarrhaus (Antiga Reitoria) em Wernswig, dia 10 de julho de 2023. A ocasião foi o anúncio pela cidade de Homberg (Efze) de uma série de eventos em 2024 para marcar o 500º aniversário de Hans Staden, que escreveu um livro sobre o Brasil no século XVI.

O site da cidade de Homberg diz:

Hans Staden: Verdadeiramente uma “História Selvagem”

Maravilhe-se com as emocionantes experiências de Hans Staden no Brasil
Nascido em Homberg por volta de 1525, Hans Staden viajou em 1548 como lansquenet a serviço dos colonizadores portugueses. Os colonizadores portugueses chegaram à região costeira brasileira já conhecida como “Brasil” e lutaram e lutaram contra índios rebeldes perto de Pernambuco (Recife) em 1549.

a palestra em alemão


Prezados senhores e senhoras,

gostaria de me apresentar brevemente:

Quando criança, morei com meus pais por quatro anos na então colônia britânica de Hong Kong e frequentei uma escola de inglês. Lá, fiz amigos de todo o mundo e, na colônia, vi a desigualdade social: a pobreza entre os chineses de um lado e a vida maravilhosa dos estrangeiros do outro. Meu sonho era conhecer o mundo inteiro um dia.

– Bild 01 Weltkarte Seefahrt –

Quando eu tinha 18 anos, saí da casa dos meus pais e comecei um aprendizado de marinheiro. Nos países, visitei não apenas lugares turísticos, que, aliás, não existiam em todos os portos, mas também os lugares onde conheci pessoas “normais”. No Chile, na época da ditadura de Pinochet, eu estava com colegas em um festival de vinhos. Alguém notou que éramos alemães. Os chilenos pagavam por tudo o que comíamos e bebíamos. Nós, que ganhávamos várias vezes mais, não tínhamos chance. Fui aos restaurantes normais dos países para comer, entrei em contato com as pessoas. Na África, uma vez fui convidado por uma família para um jantar em um bairro pobre.

Foi para ver que algumas pessoas não têm chance em sua sociedade, mesmo sendo tão inteligentes. Eu mesmo tive sorte de ter nascido na Alemanha naquela época e de ter frequentado boas escolas. Vivenciei os aspectos assustadores de uma ditadura com Pinochet no Chile, a influência do primeiro mundo, por exemplo, por meio da Bavária ou de Franz-Josef Strauß no Togo, e muito mais.

Mas também percebi que podemos aprender muito com os outros, mesmo com os chamados primitivos. São simplesmente as experiências que as pessoas têm em um ambiente diferente, devido a um modo de vida diferente, que moldam seus estilos de vida. Nós, pessoas “educadas”, deveríamos abrir mais nossos olhos e não apenas observar as belezas turísticas, mas muito mais.

Os maias, astecas e incas estavam muito à frente dos europeus em alguns aspectos. Por exemplo, em astronomia. Vi algo do período inca e fiquei sabendo que eles já podiam realizar operações no crânio, o que as pessoas sobreviviam naquela época.

Tumi
mais sobre isso, clique na imagem

Em 2006, cheguei por acaso no Brasil, na metrópole de Campinas, a 100 km de São Paulo, e comecei a descobrir cada vez mais sobre o país. Meus ex-sogros na Baixa Saxônia têm uma fazenda que está na família há 500 anos. Eu sempre imaginei como era a terra antigamente. O mesmo aconteceu no Brasil. Encontrei ruínas de antigas fazendas, as casas ainda eram construídas de pedra. Portanto, eram evidências das primeiras ocupações pelos europeus.

 

Como esses europeus, que fugiram da pobreza em sua terra natal, conseguiram alcançar tamanha prosperidade? É o que eu sempre penso quando vejo essas grandes propriedades com casas imponentes. É claro que tudo foi construído por escravos. Em Campinas existem as chamadas “famílias nobres” que se acham melhores que as outras. Descendentes de imigrantes pobres!

Karte Caminho de Peabiru von Cuzco an den Atlantik

Karte Camino de Peabiru von Cuzco an den Atlantik

 

A região andina era altamente desenvolvida quando os europeus chegaram, mas por que não todo o resto da América do Sul? Isso me ocupou por muito tempo. Existiam contatos entre os povos, porque havia conexões, como a do Pacífico via Cuzco, no Peru, até o Atlântico. Mais de 3000 km pela selva!

Em muitas regiões do Brasil há vestígios antigos do homem. Por exemplo, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no norte do estado de Minas Gerais. Lá, foram encontrados esqueletos de até 11.000 anos de idade, bem como vestígios desses antigos habitantes, pinturas rupestres de até 40 m de altura nas enormes cavernas.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Parque_Nacional_Cavernas_do_Perua%C3%A7u

https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/biodiversidade/unidade-de-conservacao/unidades-de-biomas/cerrado/lista-de-ucs/parna-cavernas-do-peruacu/informacoes-sobre-visitacao-parna-cavernas-do-peruacu

No início dos anos 2000, foram encontrados vestígios de grandes assentamentos com conexões rodoviárias e até mesmo pontes para outros assentamentos na Amazônia. Milhões de pessoas viviam na região. Então, os europeus chegaram, trouxeram doenças e tinham armas melhores, com balas. O que restou para os povos indígenas sobreviverem? Eles tiveram que se retirar, se esconder e adaptar seu modo de vida às novas condições, vivendo em pequenos assentamentos.

Praticamente nada restou dos antigos lugares. Nada foi construído com pedras ou outros materiais duráveis, mas foram usados madeira e argila. A cerâmica desapareceu na terra. No entanto, o que foi encontrado repetidamente foi a terra preta. Embora o solo da Amazônia seja pobre em nutrientes, esse solo é extremamente rico neles. A pesquisa mostrou que ela foi feita pelo homem e tem de dois a três mil anos de idade. Em alguns lugares, esse solo fornecia alimento para até vinte mil pessoas.

Enquanto isso, há iniciativas para usar essa terra preta, por exemplo, em Brandemburgo. O fertilizante não é mais necessário. Informações sobre isso podem ser encontradas na lista de links.

 

Quem foi Hans Staden?

Hans Staden nasceu por volta de 1525 em Homberg e foi contratado como trabalhador rural por colonos portugueses. Em 1549, lutou contra “índios rebeldes” perto de Pernambuco (Recife), como ele mesmo contou. Em seguida, viajou com os espanhóis para o sul do Brasil, onde teve muitas outras experiências. Entre outras coisas, foi capturado por índios e deveria ser comido, conforme publicou em seu livro “Warhaftig Historia” em 1557.

Índios rebeldes! Quem pode ser rebelde? Somente aqueles que são subordinados. Como as pessoas se sentem quando outras invadem e ocupam suas terras? Quem estava com a razão aqui?

Naquela época, Colombo estava procurando o caminho para a Índia no Ocidente e, quando chegou à América, presumiu que havia desembarcado lá. Daí o termo índios ou Indios. Índios ainda é usado em português hoje, embora ambos estejam errados. Hoje, devemos falar de povos indígenas. Os índios são, de fato, os descendentes de pessoas que foram as primeiras a habitar uma determinada região.

Como já descrito no caso da Amazônia, os europeus trouxeram doenças e armas mortais para os povos indígenas. Eles estavam preocupados com a conquista de terras e tesouros em todo o mundo. E sempre na vanguarda estava a Igreja Católica. Os conquistadores europeus também seguiram o Caminho de Peabiru até Cuzco em busca de ouro e, para isso, destruíram o Império Inca. Em seu caminho, eles chegaram várias vezes a regiões ricas em recursos minerais.

No Brasil, uma estrada foi construída de Paraty, perto do Rio de Janeiro, até o interior, a Estrada Real. Os mais de mil quilômetros foram pavimentados com pedras para que não fosse necessário andar na lama quando chovia. Era um caminho de colonização dos europeus, em busca de metais preciosos. Por meio dela, o ouro e os diamantes eram levados para o litoral e depois para a Europa.

 

Mapa da Estrada Real
Fonte: Wikipedia

A Igreja Católica

Ao visitar as cidades ao longo da Estrada Real, ficamos surpresos com o grande número de igrejas e capelas antigas. Diferentes grupos católicos, jesuítas, franciscanos e outros, construíram suas igrejas. Na cidade de Ouro Preto, percebi como as coisas eram feitas: No alto de uma colina, já havia uma igreja de um grupo católico. No caminho para lá, outro também estava construindo uma igreja. Assim, aqueles que não queriam ir ao culto na igreja do topo iam para a que estava em frente. Assim, esse grupo ganhou fiéis e, com eles, presentes, geralmente ouro e pedras preciosas.

A Igreja Católica em Ouro Preto (1)

 

A Igreja Católica em Ouro Preto (2)

E assim foi, até hoje. Há alguns anos, deparei-me com um relatório da Igreja Católica no Brasil: x aldeias indígenas haviam sido convertidas no ano anterior, e agora deve haver mais no ano corrente. Será que não podemos respeitar as pessoas e seu modo de vida, sua cultura, sua religião e talvez aprender algo com elas? Os povos indígenas veem tudo como parte da natureza. Somente juntos é que tudo funciona e é por isso que não há discriminação entre a maioria dos povos. Todos são iguais, seja mulher, deficiente, gay, lésbica ou homem. Muitos povos também têm caciques, ou seja, líderes femininas.

A pandemia do coronavírus teve início no governo de Jair Bolsonaro, que reduziu a proteção dos povos indígenas, enfraquecendo as autoridades competentes para que a mineração e a agricultura industrial pudessem ser expandidas. A assistência médica aos povos indígenas também foi reduzida. Iniciei algumas campanhas de ajuda e pedi doações aos meus amigos na Alemanha. Minha amiga Márcia Kambeba me deu contatos com aldeias de diferentes povos. Foi também assim que descobri que a Igreja Católica havia se retirado! Justamente quando eles precisavam de ajuda!

Há cerca de dez anos, encontrei por acaso um cacique do povo Kalapalo e suas filhas na região metropolitana de São Paulo. Eles se mudaram do Xingu para lá para conhecer e entender as formas de raciocínio dos brancos e depois aplicá-las em seus interesses. Os Kalapalo levam uma vida pacifista há séculos e sobreviveram! Eles só têm armas contundentes para se defender e não matam um animal sequer. A exceção é o peixe, que eles veem como outra coisa.

 

Barragens e terras indígenas

Durante esse período, foi iniciada a construção da barragem de Belo Monte, a terceira maior barragem do mundo. O governo prometeu prosperidade para a região e que o Brasil precisaria de mais eletricidade. Em troca, os povos indígenas perderam suas terras. Qual é o objetivo de um projeto tão grande à beira do Xingu, mas bem longe das áreas industriais?

Descobri que uma fundição de alumínio foi planejada para o local. A produção de alumínio libera muitas substâncias prejudiciais ao meio ambiente, especialmente ácidos. É por isso que o setor de alumínio foi transferido para regiões remotas do mundo nas últimas décadas. O Greenpeace Alemanha surgiu de uma iniciativa contra a fundição de alumínio em Hamburgo-Altenwerder. Até mesmo as tampas dos tanques de óleo no porto de Hamburgo foram corroídas pelo ácido e eram substituídas regularmente. Os vidros das janelas dos apartamentos da região foram danificados pelo ácido.

Da mesma forma, os cientistas alertaram contra a construção de mais reservatórios na Amazônia, pois o desmatamento e as inundações causariam o desaparecimento das florestas. A falta de floresta na Amazônia eliminaria as chuvas no sudeste e no sul do Brasil, a região economicamente mais importante com a indústria e a agricultura.

Demo in Sao Paulo gegen den Belo Monte Staudamm

Demo in Sao Paulo gegen den Belo Monte Staudamm 2011

Houve manifestações contra a construção da usina de Belo Monte em todo o país, inclusive em São Paulo. Os indígenas, em especial, participaram. Vi alguns brancos dizendo aos indígenas que eles não eram indígenas porque estavam vestidos como os brancos. E se eles estivessem vestidos como em suas terras, com os seios descobertos?

Demo in Sao Paulo gegen den Belo Monte Staudamm

Manifestação em São Paulo contra a Usina de Belo Monte 2011

 

Demo in Sao Paulo gegen den Belo Monte Staudamm

Manifestação em São Paulo contra a Usina de Belo Monte 2011

As terras indígenas também foram destruídas durante a construção da represa de Itaipu, perto das cataratas do Iguaçu, que já foi a maior do mundo. Ainda hoje, os povos indígenas vivem em condições precárias, às vezes até na beira da estrada, sem terra. Suas terras foram simplesmente roubadas deles.

Alguns povos têm vários lugares para morar. Depois de alguns anos, eles se mudam para o próximo lugar para que a natureza possa se recuperar no último. Quando retornam ao primeiro lugar, pelo menos há alguns anos, no estado do Mato Grosso, pode acontecer de suas terras terem sido desmatadas. Uma empresa agrícola havia se apossado dela e a mantinha protegida por pessoal armado. O estado não fez nada a respeito; o lobby agrícola tem grande influência. O agronegócio também lançou campanhas publicitárias dizendo que era inaceitável que 2% da população possuísse 60% das terras. No entanto, ele, o agronegócio, poderia acabar com a fome no mundo. Além disso, havia listas de mortos que circulavam publicamente. Os povos indígenas que resistiram à apropriação de terras foram alvos de assassinatos por esquadrões da morte vindos do Paraguai.

O Xingu

A região do Xingu, na parte superior do Rio Xingu, no estado do Mato Grosso, é uma grande área protegida para os povos indígenas. Ela deve sua existência aos irmãos Villas Bôas. Em expedições para explorar terras, eles entraram em contato com povos indígenas e defenderam seus direitos. Em 1961, foi inaugurado o Parque Nacional do Xingu, uma área protegida de mais de 27.000 km².

No entanto, o governo brasileiro também usou o Xingu para reassentar os povos indígenas, a fim de usar suas antigas terras para recursos minerais e agricultura.

Os brancos sempre apresentaram seu ponto de vista, como fez Hans Staden em seu livro. De novembro de 2022 a abril deste ano, houve uma exposição no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, chamada Xingu: Contatos, com fotos e vídeos sobre os povos indígenas do Xingu.

Aldeia Khĩkatxi do povo Khisêtje durante incêndio causado por não indígenas na área da terra indígena Wawi, parte do território indígena do Xingu, 2022
Foto: Renan Suyá/Rede Xingu+

A região do Xingu, demarcada em 1961 como o primeiro território indígena do Brasil, abriga povos tradicionais que foram submetidos a inúmeras formas de intervenção e violência durante séculos e inspiraram a luta pelos direitos indígenas. Esses movimentos foram acompanhados por uma riqueza de imagens: dos registros de viajantes europeus, incluindo muitos alemães, aos documentos das expedições do Estado brasileiro, da extensa cobertura da imprensa à revolução desencadeada nos últimos anos pela mídia audiovisual indígena.

Exposição Xingu : Contatos, IMS Avenida Paulista

A partir da década de 1940, havia fotos com indígenas em uma câmera, mas nunca fotos tiradas por eles. Isso só mudou em 1988, quando foi fundada uma associação para a documentação das culturas indígenas.

Exposição Xingu : Contatos, IMS Avenida Paulista

As primeiras fotos conhecidas dos povos do Xingu foram tiradas em 1888 e 1889 durante expedições de etnólogos alemães. Nesses registros, que foram divulgados em livros e relatórios na Europa, os povos indígenas eram apresentados como objetos exóticos de estudo. A pessoa olhava para eles, observava suas ações, comparava o que via com seu próprio conhecimento e tirava conclusões. O comportamento científico que quer entender não era esse, mas sim o dos turistas.

Exposição Xingu : Contatos, IMS Avenida Paulista – Fotógrafos alemães

Exposição Xingu : Contatos, IMS Avenida Paulista – Fotógrafos alemães

Na década de 1920, as primeiras imagens em movimento foram filmadas na região. Era um filme de propaganda para a integração dos povos indígenas ao projeto nacional. O filme termina com uma cena simbólica em que vários indígenas estão vestidos com uniformes. E um cartão é exibido com o seguinte anúncio: “Em breve teremos mais desses trabalhadores em nossa sociedade”.

Na década de 1940, o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) produziu inúmeros documentários em que se repete a iconografia dos contatos cada vez mais frequentes: a aproximação tensa, a entrega de roupas e objetos, a inclusão dos índios nas expedições.

O território tradicional é chamado de “Oeste Selvagem” e seus habitantes de “os índios mais selvagens do Brasil”.

Exposição Xingu : Contatos, IMS Avenida Paulista – Fotógrafos alemães

 

As imagens foram produzidas pelo SPI durante a Marcha para o Oeste, lançada em 1943 pelo governo de Getúlio Vargas com o argumento de que o interior do país precisava ser ocupado. Muitos povos indígenas na rota da expedição foram desalojados ou dizimados.

Em seguida, em 1943, a expedição Roncador-Xingu, um marco da Marcha para o Oeste, partiu para abrir estradas, pistas de pouso e linhas de transmissão de energia na região Centro-Oeste. Os irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas Bôas se inscreveram como diaristas em busca de aventura e chegaram ao comando da expedição.

O encontro com os habitantes do alto Xingu abriu os olhos dos Villas Bôas para a urgência de preservar o modo de vida indígena, que estava ameaçado pelo avanço da expedição. Juntamente com Darcy Ribeiro, Noel Nutels e outros, eles apresentaram seu projeto de demarcação ao presidente Getúlio Vargas em 1952.

A imprensa, que acompanhou a expedição desde o início, foi um instrumento essencial nessa campanha. Ela foi impulsionada por uma mistura de talento jornalístico, interesse econômico e ufanismo (chauvinismo = nacionalismo agressivamente exagerado).

Assis Chateaubriand, proprietário da empresa de mídia Diários Associados, mobilizou a mídia mais popular da época, “O Cruzeiro”. A revista enviou alguns de seus principais fotógrafos ao Xingu. Jean Manzon traduziu em imagens o discurso sobre a incorporação dos índios à nação. José Medeiros e Henri Ballot registraram detalhes de encontros e conflitos culturais.

Exposição Xingu : Contatos, IMS Avenida Paulista

Por meio de muita persuasão, utilizando também a mídia, os irmãos Villas Bôas conseguiram que o Xingu fosse declarado território indígena em 1961.

“exposição Xingu: contatos” no Instituto Moreira Salles – IMS Paulista, Avenida Paulsita, São Paulo

 

Para as comemorações do aniversário de 400 anos da cidade de São Paulo, em 1954, os indígenas foram transportados de avião do Xingu. Antes de aterrissar, eles tiveram que vestir camisas e calças para parecerem “gente”.

“exposição Xingu: contatos” no Instituto Moreira Salles – IMS Paulista, Avenida Paulsita, São Paulo

 

Crianças indígenas são transformadas em verdadeiros brasileiros nas escolas

“exposição Xingu: contatos” no Instituto Moreira Salles – IMS Paulista, Avenida Paulsita, São Paulo

“exposição Xingu: contatos” no Instituto Moreira Salles – IMS Paulista, Avenida Paulsita, São Paulo

 

O reassentamento salvou vidas, mas interferiu abruptamente na vida cotidiana das pessoas que vieram de outras origens culturais. Anos depois, alguns deles, como os Panará e os Khisêtje, retornaram às suas áreas tradicionais. Outros não, como os Ikpeng. No filme “Pirinop – Meu Primeiro Contato”, eles se lembram dos efeitos da mudança e pensam em como podem recuperar suas terras.

“exposição Xingu: contatos” no Instituto Moreira Salles – IMS Paulista, Avenida Paulsita, São Paulo

 

A rede Xingu+

No final da década de 1980, com o fim da ditadura no Brasil, foi fundada a rede Xingu+.

Netzwerk Xingu+
para o site: Clique na imagem

 

É formado por organizações de povos indígenas, associações de comunidades tradicionais e instituições da sociedade civil de toda a bacia hidrográfica do Xingu, nos estados do Mato Grosso e do Pará. Um de seus principais objetivos é formar jovens comunicadores indígenas com o apoio do Instituto Socioambiental. Eles documentam o cotidiano das aldeias, a degradação ambiental e as manifestações políticas e divulgam as imagens principalmente por meio das redes sociais.

https://xingumais.org.br/

 

Símbolos da luta

 

Raoni Métyktire
“exposição Xingu: contatos” no Instituto Moreira Salles – IMS Paulista, Avenida Paulsita, São Paulo

Nos últimos anos da ditadura – final da década de 1980 -, quando o movimento indígena no Brasil ganhava força, o Xingu se confirmou como símbolo dessa luta. Na área demarcada há duas décadas, a população cresceu e os modos de vida tradicionais foram fortalecidos. No início da década de 1980, os protestos nas aldeias por seus direitos chamaram a atenção do país.

No processo de redemocratização, o exemplo do Xingu foi crucial para uma conquista histórica: a constituição de 1988 incluiu pela primeira vez um capítulo sobre direitos indígenas. Durante as negociações, Raoni Métyktire e outros líderes do Xingu viajaram a Brasília para apresentar seu ponto de vista. O escritor e ativista Ailton Krenak, que estava presente nessas negociações, diz que o Xingu inspirou a demanda por mais delimitação: “É como se disséssemos: não pode ser menos do que isso.”

“exposição Xingu: contatos” no Instituto Moreira Salles – IMS Paulista, Avenida Paulsita, São Paulo

 

Em novembro de 1988, Sting se reuniu com Raoni Mayktire e outros em Altamira, no estado do Pará.

Em 4 de setembro de 1987, Ailton Krenak, porta-voz do nascente movimento indígena, fez um discurso histórico que conseguiu reverter a situação política anti-indígena nessa legislatura do Congresso Nacional. O discurso contundente de Ailton Krenak, acompanhado pelo espírito do gesto de luto, foi um ato decisivo para a adoção dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 pelos deputados constituintes. Durante seu discurso contundente, ele pintou o rosto com tinta preta:

Desde então, os povos indígenas têm sido ativos na esfera pública. Eles organizam grandes manifestações, por exemplo, em frente ao parlamento em Brasília, convidam pessoas para eventos culturais em suas aldeias ou os realizam nas cidades. Geralmente, também há declarações políticas nos eventos culturais. Com muita frequência, eles dizem que suas terras serão finalmente demarcadas, ou seja, devolvidas aos povos indígenas.

 

As mulheres fazem parte da sociedade

Tamikuã Txihi – Festival Jaraguá e guarani

Na montanha do Pico Jaraguá, nos arredores da metrópole de São Paulo, os indígenas lutam por suas terras e querem que elas sejam demarcadas. Com o surgimento dos brancos, eles foram expulsos, pois naquela época havia ouro no local. Hoje eles vivem em seis aldeias na floresta ao redor da montanha, que não foi usada pelos brancos. Agora há interesse em construir áreas residenciais exclusivas na montanha.

As mulheres são sempre vistas na frente de eventos e manifestações, às vezes usando cocares de penas. Percebe-se que a crença deles nas leis da natureza, de que tudo funciona em conjunto e, portanto, deve ser respeitado, funciona. Muitos povos também têm caciques, ou seja, mulheres líderes.

No atual governo, pela primeira vez, há um Ministério de Assuntos Indígenas ocupado por uma mulher, Sônia Guajajara, ambientalista, ativista de direitos humanos e cacique Guajajara.

indigene "Modenschau"

desfile de “moda indígena”

Fotos de um “desfile de moda” na Universidade UniCamp em Campinas. Era difícil para mim imaginar o que isso significava. Durante o evento, percebi o que significava. Também foram feitas reivindicações políticas, o desfile de moda era, na verdade, apenas um “acessório”.

indigene "Modenschau"

indigene “Modenschau”

E outra coisa me fascinou. Para tirar fotos, sempre fico de pé de modo a não bloquear a visão de ninguém, geralmente fico em algum lugar na borda. Durante todo o evento, os indígenas passaram na minha frente e todos eles, sem exceção, se curvaram para não me incomodar enquanto eu tirava fotos. Não conheço isso em nossa sociedade. Eles vivem em comunidade, com consideração pelos outros. Essa experiência continuou a me afetar por muito tempo.

A luta é interminável. Há alguns anos, eu me perguntei por que a Noruega é o maior financiador do reflorestamento. Eu me perguntava por que, até descobrir que o país está extremamente envolvido com a mineração na Amazônia. Portanto, é uma lavagem verde o que está sendo feito. Não é só a Noruega que está fazendo isso.

Sob o governo de Bolsonaro, a caça de terras e recursos minerais foi praticamente totalmente liberalizada. Eles até se aproximaram de povos isolados, incluindo evangélicos dos EUA. No estado do Amapá, o garimpo ilegal de ouro explodiu. Os povos indígenas foram assassinados, muitos foram infectados com malária e outras doenças, e não havia mais assistência médica disponível.

 

Reunião de vários embaixadores com o Ministro de Minas do Brasil

Além dos EUA, países europeus, incluindo a própria UE, negociaram com o governo brasileiro para promover a mineração. Os EUA até exigiram isso com o argumento de que era a única maneira de cumprir suas metas de proteção climática. Quão mentiroso e destrutivo é isso? Como é possível dominar outros povos somente de cima para baixo? Os bancos alemães também estão investindo nessa “sustentabilidade”.

Traduzi dois artigos de um jornalista brasileiro de reputação internacional:

Ausländische Botschafter bei Freigabe von indigenem Land für den Bergbau beteiligt
 o link do artigo original: https://observatoriodamineracao.com.br/…

Deutsche Banken haben in Bergbauunternehmen investiert, die in Konflikte in Brasilien verwickelt sind
 o link do artigo original: https://observatoriodamineracao.com.br/…

Aprendendo com os outros

Em parte com hora marcada, você também pode visitar aldeias indígenas. Há alguns anos, visitei a aldeia de Aldeia Krukutu em um reservatório na cidade de São Paulo. Eu conhecia Olivio Jekupe, um dos líderes, de suas leituras na universidade em Campinas. Ele é um escritor muito conhecido no Brasil. (Wikipedia: Olívio Jekupé ).

Depois disso, levei amigos lá várias vezes.

Olívio me disse que sempre lhes pedem para se mudarem para a cidade. Mas deveríamos dar uma olhada em nossas vidas: corremos o dia todo para fazer as coisas e, à noite, estamos exaustos. Eles mesmos cuidam de suas plantações e de suas cabanas pela manhã e, à tarde, têm tempo para a família e os amigos. Ele nos mostra pessoas com mais de 70 anos de idade. Elas parecem muito mais jovens, não têm um único fio de cabelo grisalho. Elas sempre precisavam mostrar a identificação quando estavam na fila de algum lugar para pessoas da terceira geração. Se você tiver mais de 60 anos, terá atendimento preferencial nos caixas eletrônicos e em muitos outros lugares. Caminhamos pelo vilarejo e vemos a vida ao vivo.

O que compramos para ter uma vida mais agradável? Será que muitas coisas não nos roubam tempo? Tempo para ter o dinheiro para comprá-las, tempo para manutenção e reparo, perda de valor de coisas que possuímos, mas que usamos pouco? Como um carro que fica parado 90% do tempo?

Toda vez que eu voltava de carro, via todos os meus amigos com rostos pensativos.

Lernen und verstehen bei Indigenen

Aprendizado e compreensão com os povos indígenas

Visitar vilarejos e conversar com as pessoas nos permite aprender muito. Eles vivem com a natureza, não querem dominá-la, mas se beneficiam dela. E a maioria das pessoas vive democraticamente. Todos têm direitos iguais e as decisões são tomadas em conjunto. Por exemplo, quando alguém ganha dinheiro fora da aldeia. A comunidade da aldeia discute quanto será dado à comunidade. É um tipo de imposto. E os edifícios também são de propriedade da comunidade. Ninguém tem uma casa maior, portanto, ninguém deseja ter uma casa maior que a do vizinho.

indigenes Kunsthandwerk und Medizin

Artesanato e medicina indígena

Eles usam medicamentos que conhecem há séculos. Certa vez, tive uma inflamação na sola do pé, mal conseguia andar e, depois de dois meses, não senti melhora, apesar da medicação. Então, eu estava em uma aldeia Pataxó. Ao lado de artesanatos, vi algo em potes e perguntei o que era. A resposta foi um remédio para inflamações. Comprei um frasco de “Amescla” e esfreguei-o na sola do pé à noite. Trinta minutos depois, meu pé estava muito leve, eu poderia ter pulado! O remédio ajudou e, depois de duas semanas, a inflamação estava completamente curada!

Pau mulato

Há alguns anos, vi uma árvore que estava perdendo a casca. Ela estava linda, com um verde fresco. Um dia, descobri o nome da árvore e fiz algumas pesquisas. O Pau Mulato perde sua casca todos os anos e todos os povos indígenas da Venezuela ao Paraguai a utilizam. Ela ajuda com inflamações e ferimentos, reduz cicatrizes, é usada contra rugas e também como repelente de sol e de insetos. Mas também é usado para tratar diabetes; no Paraguai, o Pau Mulato é oficialmente aprovado para esse fim. Amigos meus com diabetes testaram o chá e ficaram surpresos. A fé na indústria farmacêutica é realmente grande demais para que se busquem alternativas. A árvore em si é usada com frequência na arquitetura paisagística, mas ninguém sabe de seu potencial medicinal. Além disso, nada pode ser mais ecológico do que isso. Há um pouco mais sobre isso em minha lista de links.

Indígenas intelectuais 

Os povos indígenas são pessoas primitivas e simples. Essa é geralmente a opinião dos brancos sobre eles. No Brasil, o racismo é um crime passível de punição, mas só afeta o racismo explícito. Ele existe de forma latente. Há alguns anos, fui convidado para um casamento com quase 300 convidados. Vi um único homem negro. Ele tinha conseguido. Mais tarde, percebi que os indígenas ainda são vistos abaixo dos negros, eles querem se adaptar menos à vida dos brancos.

É claro que há muitos intelectuais que mostram que não são piores ou mais burros.

Ailton Krenak, que influenciou a nova constituição com sua ação em 1987, é um deles. É fascinante ouvi-lo ou ler seu estilo de escrita. No entanto, ele só veio para a cidade aos 17 anos, aprendeu português, tornou-se jornalista e ativista, um escritor. Seus livros também foram traduzidos para outros idiomas. (Goethe Institut: Ailton Krenak). Veja também a lista de links.

Por causa da construção da usina de Belo Monte, tive muitos contatos com povos indígenas, inclusive com a atual ministra Sônia Guajajara. (Wikipedia)

Marcia Kambeba veio de seu vilarejo na fronteira com a Colômbia para uma cidade onde foi para a escola quando tinha oito anos de idade. Mais tarde, estudou geografia e se formou. É autora de livros, poeta e fotógrafa, além de ser convidada para eventos em todo o Brasil. Às vezes, ela publica grandes e extensos poemas todos os dias. Há alguns anos, tive a oportunidade de vivenciar e conhecê-la pessoalmente em um evento. Foi fascinante. As pessoas a olhavam fascinadas durante sua apresentação. E se alguém fazia uma pergunta enquanto ela estava cantando ou falando, ela ouvia e respondia em seguida.

Nos últimos quatro anos, ela tem sido a ouvidoria da cidade de Belém, capital do estado do Pará. Ela tem um filho autista com quem passa muito tempo e faz muitas coisas juntos. Não sei de onde ela tira tanta energia. É admirável. Nunca conheci uma pessoa tão carismática. (artikel no jornal taz de 02 de junho 2023 – e traduzido em português)

Uma impressão:

Durante a pandemia do coronavírus, ela me deu muitos contatos de aldeias indígenas para ajudar essas pessoas com doações. Um dia, depois de 11 doações, ela me perguntou se eu também poderia ajudar seu povo. Ela estava inibida para perguntar e é claro que era possível! Leia mais aqui:
https://gruen4future.de/2020/12/11/die-zwoelfte-spende-fuer-indigene-voelker-in-brasilien/

Por meio dela, também conheci Daniel Munduruku, um dos mais importantes e mais conhecidos escritores brasileiros de origem indígena no exterior. (Wikipedia)

Olívio Jekupe, um dos mais importantes representantes da literatura indígena no Brasil, que descrevi anteriormente em relação às visitas à aldeia. A propósito, seu filho, Jekagua Mirim, é escritor e rapper, bastante conhecido na França. Durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo no Brasil em 2014, ele exibiu uma faixa “Demarcação já” no estádio. Infelizmente, essa cena foi cortada durante a transmissão.

Demarcação Já - (Demarkierung bon Land jetz!)

Demarcação Já – (Demarkierung von Land jetzt!)

 


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